Em 2022, o Executivo aproveitou o enorme excedente de fluxos de divisas para fazer baixar a taxa de câmbio e, com ela, a inflação. Esta política, aparentemente boa, foi extremamente nociva por duas razões: 1) para os consumidores, por não ser sustentável; 2) para as empresas, porque reduziu a sua competitividade.
Por Heitor Carvalho (*)
Quando uma política que afecta os preços é insustentável, o resultado é sempre mais inflação devido aos aspectos psicológicos!
Quando a pressão é no sentido da redução dos preços, a prudência actua sempre no sentido de travar a descida; quando a pressão é no sentido do aumento dos preços, a prudência actua sempre no sentido de reforçar a subida.
Foi para isso que alertámos desde a análise do 4.º Trimestre de 2021 e foi isso que aconteceu: reduzir os preços apoiado num aumento efémero dos preços do petróleo só podia ter como consequência um aumento incontrolado dos preços, no futuro! O futuro chegou em Junho de 2023.
Por outro lado, a política cambial de 2022 efectivamente promoveu as importações face à produção interna que perdeu competitividade e desarticulou alguma coordenação económica que estava a ser criada. Os empresários viram-se obrigados a deixar de comprar internamente para baixarem os seus preços, comprando produtos finais e intermédios importados. A competitividade e a integração da produção interna reduziram-se.
Em fins de Junho de 2023, o Estado (Governo e BNA) encontraram uma forma pouco ortodoxa mas eficaz de suster o declínio da taxa de câmbio: as petrolíferas foram obrigadas a vender na plataforma Bloomberg sem discriminação dos parceiros de transacção; como não podiam transaccionar com alguns dos compradores sob pena de sanções nos seus países de origem, abandonaram a plataforma e passaram a vender directamente ao BNA. Assim, a oferta de ME na plataforma passou a estar completamente dominada pelo Estado (Tesouro e BNA), o que, na prática, fixou a taxa de câmbio.
Se esta foi uma politica eficaz num primeiro momento, o seu prolongamento está a revelar-se nefasto. Sem fluxos de ME para o mercado cambial, a taxa de câmbio está cada vez mais insustentável, obrigado a reduzir administrativamente a procura. O BNA voltou a perder a iniciativa e a seguir o mercado cambial paralelo. Haverá um dado momento em que uma distância insustentável entre as duas taxas será coberta através da aproximação da taxa oficial à taxa informal, como já aconteceu em Outubro de 2019!
Pior ainda é a tentativa de alterar administrativamente a procura de divisas, impedindo as importações.
Desde Junho, foram dadas Instruções Superiores aos Ministérios para que não passassem licenças de importação para os produtos que já se produzem no país. Na mente da generalidade das pessoas esta é uma política comercial acertada para a protecção da produção interna.
Cremos que, ao contrário, é uma política extremamente nefasta, cujos efeitos já são visíveis. As falhas de coordenação (a alteração das relações cliente/fornecedor têm prazos longos) e a produtividade interna reduzida e irregular (dependendo de muitos factores aleatórios), estão, na ausência de importações, a criar escassez e a elevar os preços, mesmo quando a taxa de câmbio permanece estável. Esta não é a forma de proteger nem a produção interna nem os consumidores!
a) Porque os produtores nacionais existentes não têm incentivos para se tornarem mais competitivos, ou seja, mais baratos, o que criará monopólios e sujeitará os consumidores às condições e preços monopolistas.
O nosso mercado é limitado podendo ser abastecido com um número reduzido de empresas por cada tipo de produção. Se impedimos a concorrência externa os poucos produtores internos facilmente concertarão preços e condições que imporão aos consumidores. Estaremos a criar monopólios!
b) Porque limita o aparecimento de mais negócios. Nenhum empresário sério pode aceitar colocar o seu dinheiro num ambiente em que um funcionário do Estado possa limitar a liberdade de escolha dos seus fornecedores, a não ser que pense que poderá condicionar as suas decisões. A atracção do investimento de longo prazo será mínima, e, sem ela, a produção interna não irá crescer de forma impedir a escassez.
c) Porque cria condições que potenciam a corrupção através do relacionamento directo entre o agente do Estado e o importador. Os honestos verão como os outros têm êxito e irão copiá-los. Pior ainda, os empresários desenvolverão mais competências para obterem vantagens nos corredores dos ministérios do que para fazerem os seus negócios, o que agravará a competitividade, reproduzindo o modelo dos empresários Estado-dependentes!
d) Porque fomenta a resistência à entrada de novos operadores por parte dos que já existem e detêm poder e influência. Os operadores existentes, irão naturalmente resistir à entrada de novos concorrentes. Os empresários existentes, habituados a um mercado super-protegido, não conseguirão exportar em volumes significativos, alargando o mercado, e, consequentemente, resistirão por todos os meios a uma maior concorrência interna.
e) Acresce que, se o critério for a proibição do que já se produz, nunca teremos produção do que ainda não se produz, cuja protecção necessária será sempre inexistente.
f) Porque, reduzindo a nossa competitividade internacional, aumentará a desvalorização do Kwanza, o que afectará toda a economia, numa espiral negativa difícil de travar. Sem contar com os altos e baixos dos rendimentos petrolíferos, a taxa de câmbio depende da variação da produtividade interna face à externa. Se não acompanharmos o aumento da produtividade externa, a taxa de câmbio irá deteriorar-se constantemente, aumentando os preços!
g) Porque a proibição irá determinar respostas idênticas dos restantes Estados, isolando-nos do mundo. Estas políticas proteccionistas exacerbadas têm sido o pior entrave à nossa integração regional na SADC, condicionando fortemente o nosso desenvolvimento! Como esperamos compatibilizar a entrada no mercado livre da SADC com a efectiva proibição das importações? Será que pensamos que isso nos vai ser permitido?
h) Finalmente, porque ninguém se torna competitivo sem competir. A competitividade ganha-se competindo! Seria o mesmo que querer que os nossos clubes de futebol ganhassem competitividade em África proibindo-os de ir às competições africanas. É o mais completo absurdo!
As importações têm um importantíssimo papel a desempenhar na competitividade da economia e na redução dos preços. Um empresário nacional deve ser protegido para poder enfrentar a concorrência externa, competindo!
A protecção da produção interna, para ser eficaz, faz-se através de mecanismos de mercado: da taxa de câmbio e de taxas aduaneiras regressivas.
O mercado nacional, para além das vantagens, como a língua, a cultura, etc., pode ser protegido. Não existe melhor mercado para se aprender a competir!
A taxa de câmbio deve garantir que os produtos externos entrem a um preço ligeiramente superior ao dos nossos melhores produtores. Os piores produtores internos ver-se-ão obrigados a acompanhar rapidamente os nossos melhores produtores e estes a melhorarem para manter a sua quota de mercado, reduzindo os preços, permitindo a redução da taxa de câmbio e o reinício do processo. As taxas aduaneiras servem para proteger as indústrias, de início, menos competitivas. Em linhas gerais, este processo garante a protecção dos consumidores, da produtividade, da produção interna e do emprego, permitindo-nos ganhar competitividade para ultrapassarmos as fronteiras nacionais e exportarmos. É esse o processo que temos de implementar URGENTEMENTE. Infelizmente, não é isso que estamos a fazer!
(*) Cinvestec.com
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